quarta-feira, 16 de abril de 2008

Natália, correia

«Já que o coito – diz Morgado –
tem como fim cristalino
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica a conclusão
de que o viril instrumento
só usou – parca ração! –
uma vez. E se a função
faz o órgão – diz o ditado –
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado»

in Diário de Lisboa, abril de 1982

a graça de Moura










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De “O Fidalgo Aprendiz”

Primeira Jornada

Saie Alfonso Mendez, vestido à portuguesa antiga; botas brabas, festo, pelote, gorra, espada em talabarte

Sou velho, já fui mancebo,
Cousa que, mal que lhes pês,
Virá por vossas merecês.
Naci no Lagar do Sebo,
Faz hoje setenta e três.
Fui prezado, fui temido,
Passei sóis, passei serenos,
Rompi bons vintadozenos
Já nunca mudei vestido,
E inda fato mudei menos.
Sei o açougue no Recio,
Os Estaus da Inquisição.
Vi el- Rei Dom Sebastião.
Sem dinheiro, quis ter brio:
fiquei perpetuo rascão.
Hoje sirvo, não sei donde,
lá de riba, um escudeiro,
enfronhado em cavaleiro
que, de andar posto em ser conde
se não conde é condandeiro

de Junqueiro

(…)
E nessa escuridão gomórrica e confusa
Minha porra encontrou atascados em merda,
Chagas, Mendes Leal e o César de Lacerda.
Volvidos dias três, três sois volvidos, eu,
Com a alma mais triste e negra do que o breu,
Procurei um doutor, um dos grandes portentos
Que fazem dos bubões e dos esquentmentos
Modo de vida e disse ao meu doutor: Doutor,
Eis aqui este gancho, eis aqui esta dor
Que desgraça, doutor! Veja você – um Cristo!...
E esta porra. Acordei hoje com tudo isto,
Observe-me esta porra, ó conspícuo alveitar:
Vê esta purgação? – São os «Homens do Mar».
Cinismo, Cepticismo e Crença», em Alviela
Correm aqui. Maldita, ó! Maldita a panela
De Talia, onde encontrei este gálico novo,
Feito da «Probidade» e do «Drama do Povo»...
E o profundo doutor retorquiu desta sorte:
- Talia tem no cu Chagas, isto é, a morte;
Tem Lacerda – o flagelo! – e tem Mendes Leal!
Uma combinação da «Escola Social»
E Judia produz este gálico raro
Que se arranja no Pindo e que se cura em Faro.
..........................................................................
Gonçalves exprimiu assim seu pensamento
E eu disse-lhe: - Você, Gonçalves, tenha tento
Na bola e não me foda as Musas de tal guisa
As musas mortais fodem-se com camisa
De Vénus. Pois você, ó Gonçalves dos diabos
De rabo alçado enraba assim os nove rabos
Dessas Musas, e quer você, ainda por cima
Ter talento e saúde... Um homem, quando arrima
Uma trombicadela, é preciso levar
Um antídoto bom contra os «Homens do Mar»...

De As Musas

o tempo e a sátira

(...)
À consciência da fugacidade do tempo, da transitoriedade de tudo, pode reagir-se de diversas maneiras. A minha pessoal maneira de reagir (e peço perdão dela vir ao caso) é a amarração ao efémero do tempo e do sítio em que, por insondáveis carambolas, me é dado viver. Mas que o efémero que representa o meu aqui-agora e que eu, muito humanamente desejo fixar (com todas as suas – e minhas – contradições, opções, lutas, etc.) tem o seu peculiar «décor», os seus adereços, as suas típicas personagens, a sua acção e os seus dizeres. Se eu não me pormenorizar neles, ao mesmo tempo deles, tomando distância mediante uma operação de sobrevivência chamada ironia, que testemunho darei de mim mesmo (a mim mesmo como consciência angustiada da efemeridade da minha vida ) do tempo-sítio que é o meu para mim?
(...)
Alexandre O'Neill
in Prefácio “Obras Completas de Nicolau Tolentino”

O'Neill olhando-se










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O'Neill, "Que vergonha..."





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Prosa de Eça...










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Este Bocage do soneto







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de Tolentino










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excerto de "O Bilhar"

terça-feira, 15 de abril de 2008

de Sá de Miranda

A António Pereira, senhor do Basto, quando se pariu para a Corte co a casa toda

(...)
Não me temo de Castela,
donde inda guerra Não soa;
Mas temo-me de Lisboa,
que ao cheiro desta canela
o Reino nos despovoa.

(...)

Ouves, Viriato, o estrago
que cá vai os teus costumes?
Os leitos , mesas e os lumes,
todo cheira: eu trago óleos;
vem outros, trazem perfumes.

Sátiras de Camões

Ao duque de Aveiro que, tendo prometido enviar uma galinha ao poeta, lhe mandou um pedaço de carne de vaca.

Já eu vi a taberneiro
vender vaca por carneiro;
mas não vi por vida minha
vender vaca por galinha
senão ao duque de Aveiro.



Esparsa a um fidalgo na Índia que lhe tardava com ua camisa galante, que lhe prometeu.

Quem no mundo quiser ser
havido por singular,
para mais se engrandecer,
há-de trazer sempre o dar
nas ancas do prometer.
E já que vossa mercê
largueza tem por divisa,
como todo mundo vê,
há mister que tanto dê
que venha dar a camisa

De Gil Vicente

Velha: (...)
Es tu moça ou bacharel?
Nam deprendeste tu assi
O verbo d’ aninma Christie
Que tantas vezes ouviste
Isabel : Isso nam he para mi.

Velha : e pois quê?
Isabel: Eu vo-lo direi
Ir a miude ao espelho
e poer do branco e vermelho,
e outras cousas que eu sei:
pentear curar de mi
e poer a ceja em dereito;
e morder por meu proveito
estes beicinhos assi,
Ensinar-me a passear,
pera quando for casada
nam digam que foi criada
em cima de algum tear,
Saber sentir um recado,
e responder emproviso
e saber fingir um riso
falso e bem dissimulado.

Velha: E o lavrar, Isabel?
Isabel: Faz a moça mui mal feita,
corcovada, contrafeita (...)

excerto de "Quem Tem Farelos?"

De “O Fidalgo Aprendiz”

Primeira Jornada

Saie Alfonso Mendez, vestido à portuguesa antiga; botas brabas, festo, pelote, gorra, espada em talabarte.

Sou velho, já fui mancebo,
Cousa que, mal que lhes pês,
Virá por vossas merecês.
Naci no Lagar do Sebo,
Faz hoje setenta e três.
Fui prezado, fui temido,
Passei sóis, passei serenos,
Rompi bons vitadozenos
Já nunca mudei vestido,
E inda fato mudei menos.
Sei o açougue no Recio,
Os Estaus da Inquisição.
Vi el- Rei Dom Sebastião.
Sem dinheiro, quis ter brio:
fiquei perpetuo rascão.
Hoje sirvo, não sei donde,
lá de riba, um escudeiro,
enfronhado em cavaleiro
que, de andar posto em ser conde
se não conde é condandeiro

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Prólogo do Cancioneiro Geral

Muito alto e muito poderoso Príncipe Nosso Senhor
Porque a natural condiçam dos Portugueses é nunca escreverem cousa que façam, endo dinas de grande memória, muitos e mui grandes feitos de guerra; paz e vertudes, de ciência, manhas e gentilezas sam esquecidos. Que, se os escritores se quisessem acupar a verdadeiramente escrever nos feitos de Roma, Tróia e todas outras antigas crónicas e estórias, nam achariam mores façanhas nem mais notáveis feitos que os que dos nossos naturais se podiam escrever, assi dos tempos passados como d'agora: tantos reinos e senhorios, cidades, vilas, castelos, per mar e per terra tantas mil légoas, per força d'armas tomados, sendo tanta a multidão de gente dos contrairos e tam pouca a dos nossos, sostidos com tantos trabalhos, guerras, fomes e cercos, tão longe d'esperança de ser socorridos, senhoreando per força d'armas tanta parte de África, tendo tantas cidades, vilas e fortalezas tomadas e continuamente em guerra sem nunca cessar, e assi Guiné, sendo muitos reis grandes e grandes senhores seus vassalos e trebutários e muita parte de Etiópia, Arábia, Pérsia e Índias, onde tantos reis mouros e gentios e grandes senhores sam per força feitos seus súditos e servidores, pagando-lhe grandes páreas e tributos e muitos destes pelejando por nós, debaixo da bandeira de Cristos com os nossos capitães, contra os seus naturais, conquistando quatro mil légoas por mar que nenhuas armadas do Soldam nem outro nenhum gram rei nem senhor nom ousam navegar com medo das nossas, perdendo seus tratos, rendas e vidas, tornando tantos reinos e senhorios com inumerável gente à fé de Jesu Cristo, recebendo água do santo bautismo, e outras notáveis cousas que se não podem em pouco escrever.
Todos estes feitos e outros muitos doutras sustâncas nam sam devulgados como foram, se gente doutra naçam os fizera. E causa isto serem tam confiados de si, que não querem confessar que nenhuns feitos sam maiores que os que cada um faz e faria, se o nisso metessem. E por esta mesma causa, muito alto e poderoso Príncepe, muitas cousas de folgar e gentilezas sam perdidas, sem haver delas notícia, no qual conto entra a arte de trovar que em todo tempo foi mui estimadada e com ela Nosso Senhor louvado, como nos hinos e cânticos que na Santa Igreja se cantam se verá.
E assi muitos emperadores, reis e pessoas de memória, polos rimances e trovas sabemos suas estórias e nas cortes dos grandes Príncepes é mui necessária na gentileza, amores, justas e momos e também para os que maus trajos e envenções fazem, per trovas sam castigados e lhe dam suas emendas, como no livro ao adiante se verá. E se as que sam perdidas dos nossos passados se puderam haver e dos presentes se escreveram, creo que esses grandes Poetas que per tantas partes sam espalhados não teveram tanta fama como tem.
E porque, Senhor, as outras cousas sam em si tam grandes que por sua grandeza e meu fraco entender nam devo de tocar nelas, nesta que é a somenos, por em algúa parte satisfazer ao desejo que sempre tive de fazer algúa cousa em que Vossa Alteza fosse servido e tomasse desenfadamento, determinei ajuntar algúas obras que pude haver dalguns passados e presentes e ordenar este livro, nam pera por elas mostrar quais foram e sam, mas para os que mais sabem s'espertarem a folgar d'escrever e trazer à memória os outros grandes feitos, nos quais nam sam dino de meter a mão.
Garcia de Resende

do cancioneiro de Garcia de Resende

Já me nam dá de comer
senam minha fazendinha;
rei nem roque nem rainha
nam queria nunca ver.

O pagar das moradias
é o que mais contenta,
o despachar da ementa,
as madrugadas tam frias;
trabalhar noites e dias
por ser na corte cabidos,
e, os tempos despendidos,
ficar com as mãos vazias.

Armadas idas d'além
já sabeis como se fazem:
quantos cativos lá jazem,
quantos lá vão que nam vêm!
E quantos esse mar tem
somidos que não parecem,
e quam cedo cá esquecem,
sem lembrarem a ninguém!

E alguns que sam tornados,
livres destas borriscadas,
se os is ver às pousadas,
achai-los esfarrapados,
pobres e necessitados
por mui diversas maneiras
por casas das regateirasos
vestidos apenhados.

Por isto, senhor Mafoma,
tresmontei cá nesta Beira,
por tomar a derradeiravida,
que todo o homem toma;
porque há lá tanta soma
de males e de paixam
que, por não ser cortesão,
fugirei daqui té Roma.

Fim

Agora julgai vós lá
se fiz mal nisto que faço:
em me tirar desse Paço
e mudar-me para cá;
pois é certo que, se dá
algum pouco galardam,
lança mais em perdiçam
do que nunca ganhará.

João Roiz de Castel-Branco, Cancioneiro Geral, III, 120-124

cantiga de escárnio



De João Garcia de Ghilhade

Ai, dona fea, fostes-vos queixar,
[que] vos nunca louv’ en meu trobar;
mais ora quero fazer um cantar,
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!

Ai, dona fea, se Deus mi perdon,
E pois avedes tam gra coraçon
que vos eu lôe, em esta razon
vos quero ja loar toda via;
e vedes qual será a loaçom:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora ja um bom cantrar farei,
en que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!

(C. V. 1097; C B N., 1399)